Introdução
Os diversos métodos de pesquisa social são formas de analisar as evidências empíricas, cada um seguindo sua própria lógica, tendo suas vantagens e desvantagens. Podem ser quantitativos ou qualitativos – a escolha irá depender da questão de pesquisa, além do objetivo ou finalidade da investigação. O método quantitativo auxiliará as pesquisas que tratarão de análises com ênfase na medição e quantificação de resultados. Já o método qualitativo ajudará aos pesquisadores na análise em profundidade dos objetos de interesse.
De acordo com Yin o estudo de caso é: “um dos empreendimentos mais desafiadores na pesquisa” (YIN, 2010, p. 23). Este método teve sua origem no campo da Medicina, e constitui hoje uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa no campo das ciências humanas e sociais e teve seus procedimentos convencionados de forma adequada a partir da obra de Robert Yin nos anos de 1990 do século XX.
Segundo Yin (2010, p. 39),
(…) o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes.
A proposta de Yin, por ter sido elaborada de acordo com experiências do próprio autor, fornece parâmetros para se coletar, apresentar e analisar os dados corretamente. Em sua obra, Yin classifica o estudo de caso quanto ao tipo, que pode ser: descritivo, explanatório e exploratório; e quanto as suas características, que podem ser: especificidade, pluralidade, contemporaneidade e análise intensiva. Outra característica do estudo de caso é a variação de análise que pode vir a existir na pesquisa, sendo que o pesquisador poderá optar pela análise de um caso único ou múltiplo.
O estudo de caso deve estar bem definido para o pesquisador que irá utilizá-lo evitando que o desenvolvimento da pesquisa se faça através de um histórico organizacional ou que se obtenha variáveis imprecisas. A pesquisa que utiliza as estratégias do estudo de caso deverá vir precedida de um planejamento rigoroso, auxiliada por um rico referencial teórico, pelas características do caso a ser estudado e todas as ações desenvolvidas no processo da pesquisa até chegar a um relatório final.
O investigador enfrentará circunstâncias técnicas e distintas devido a riqueza do fenômeno e grandeza do contexto real. No decorrer da pesquisa, podem aparecer mais variáveis de interesse do que pontos de dados, neste caso o uso de várias evidências pode ser uma solução a esta situação.
Na área das Ciências Sociais Aplicadas, o estudo de caso tem conquistado um espaço relevante nas pesquisas desenvolvidas, porém algumas delas apresentam análises sem consistência. Desta forma, podemos apontar que os estudos acabam se tornando relatos históricos e comprometem a real função do estudo de caso.
Neste trabalho, trataremos da origem deste método, abordaremos suas definições, seus objetivos e suas características, além de descrever as etapas de sua aplicação e suas limitações. Um levantamento também é apresentado: dentre as quatorze revistas encontradas no portal da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação (ANCIB), foram mapeadas treze revistas, as quais foram todos os artigos científicos que utilizaram o método de estudo de caso. Buscamos, dessa forma, apresentar um breve panorama da utilização deste método no campo da Ciência da Informação.
Breve histórico do Estudo de Caso
O método de estudo de caso supõe o conhecimento do fenômeno a partir da exploração em profundidade de um único caso. Tem origem na pesquisa médica e psicológica, baseada na análise detalhada de um caso individual, com o objetivo de explicar a dinâmica e a patologia da doença investigada. Embora importado das Ciências Médicas, o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de análise das Ciências Sociais (BECKER, 1999. p. 117), sendo também comum nas áreas de Assistência Social, Administração, Educação, Enfermagem e Planejamento Comunitário (Yin, 2010, p. 24).
Calazans (2007) faz referência às três gerações da metodologia. O tipo de dado levantado e de procedimentos de pesquisa, como a observação participante e as entrevistas em profundidade, relacionados à aplicação do método de estudo de caso “têm suas origens na pesquisa antropológica de sociedades primitivas” (ROESE, 1999. p. 34). Esta é a primeira geração, datada do início do século XX. Neste momento, o método foi utilizado em investigações sobre outras culturas. A segunda geração surgiu no final da década de 1960, com a abordagem da Teoria Fundamentada e com o paradigma das escolhas, que substituía a metodologia ortodoxa por metodologias apropriadas aos critérios primários de análise da pesquisa. Neste momento, o estudo de caso passou a ser mais utilizado pelas Ciências Sociais.
A terceira geração, como é proposta por autores contemporâneos, seria a utilização de formatos virtuais, como chats e outros recursos, para coleta de dados.
No Brasil, o método de estudo de caso tem sido adotado pelas Ciências Sociais em larga escala nos últimos 30 anos. Segundo ROESE (1999), a pesquisa de realidades microsociais, utilizando métodos como a história de vida, estudos biográficos, a observação participante, história oral e estudo de caso parecem ter dois fatores como causa:
1) O primeiro é resultado de uma reação contra os estudos macrosociológico que, em tese, reduzem a explicação das microrealidades aos grandes modelos de análise. Nesse primeiro fator também está enquadrada a reação à sociologia de cunho quantitativista.
2) O segundo fator, prosaico mas não menos importante, está aliado à redução do orçamento das pesquisas a partir dos anos 80, o que inviabiliza os grandes projetos que geralmente apresentam alto custo e cronogramas muito extensos (ROESE, 1999. p. 189).
Com a utilização do estudo de caso nas Ciências Sociais, entende-se que este método pode ser também aplicado aos estudos desenvolvidos no âmbito da Ciência da Informação no caso brasileiro, conforme os artigos recuperados nos periódicos de nosso país. Isto poderá ser observado na seção 7 que está mais adiante neste artigo.
Definição do Estudo de Caso como método e seus objetivos
O estudo de caso é um método específico de pesquisa de campo. Os estudos de campo são investigações dos fenômenos exatamente como eles ocorrem, sem qualquer intervenção significativa do pesquisador. O estudo de caso refere-se a uma análise detalhada de um caso específico, supondo que é possível o conhecimento de um fenômeno a partir do estudo minucioso de um único caso.
O caso pode ser uma instituição, uma escola, um currículo, em evento, um grupo, uma pessoa, etc. Constitui em uma instância provocadora do estudo de mediações que concentram a possibilidade de explicar a realidade concreta (FRANCO, 1990. p. 4). O caso é considerado como uma unidade representativa do todo e, portanto, capaz de sustentar proposições acerca da realidade deste todo. Como veremos adiante, esse pressuposto é motivo de uma das críticas à metodologia. “É considerado, também, como um marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma dada situação” (CHIZZOTTI, 1998 p. 102).
Os pesquisadores que optam por este método, esforçam-se para chegar a um entendimento completo e abrangente do evento estudado e, ao mesmo tempo, desenvolver enunciados teóricos gerais sobre regularidades do processo e estrutura sociais. Como um método de pesquisa, o estudo de caso mostra-se apropriado para investigação de fatos de natureza social quando: 1) há uma grande variedade de fatores e relações; 2) não existem leis básicas para determinar quais fatores e relações são importantes; e 3) quando fatores e relações podem ser diretamente observados (FIDEL, 1992. p. 37). Além disso, de acordo com Yin, “Em geral, os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam
questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos da vida real” (2010, p.19).
O estudo de caso também é adequado quando se tem de lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos. A aplicação deste método visa desenvolver um modelo compreensível, descrevendo padrões de comportamento que possibilitem a tomada de decisão sobre o objeto estudado ou a proposição de uma ação transformadora. Pela flexibilidade do método, é utilizado em investigações em fase inicial, sobre temas complexos para a construção de hipóteses ou reformulação de problemas. Mas há autores como Robert Yin, por exemplo, que defendem o emprego do estudo de caso não apenas na fase exploratória inicial de uma pesquisa, mas também em investigações descritivas e explanatórias. Aplica-se, ainda, em pesquisas cujo objeto de estudo já foi exaustivamente explorado a ponto de se
enquadrar em um tipo ideal.
Características do Estudo de Caso
Uma das principais características do estudo de caso é sua especificidade. Um caso pode ser modelar ou pode estar enquadrado como um tipo “patológico”, no sentido durkheimiano, onde sua novidade e suas particularidades vão ajudar a compreender “(…) uma das pontas do processo de transformação social que é o da realidade concreta” (ROESE, 1999. p. 192).
Outra característica diz respeito à pluralidade das técnicas auxiliares (qualitativas e quantitativas) utilizadas para composição de um quadro detalhado do caso. Tal característica tem propiciado grandes equívocos na medida em que alguns pesquisadores encaram o estudo de caso como um método exclusivamente qualitativo de investigação, pressupondo oposições estanques entre análise qualitativa e quantitativa.
A contemporaneidade é outra característica a ser destacada, pois o estudo de caso apresenta uma característica exploratória, o que permite sua utilização em eventos atuais e pouco explorados, aprofundando-se no contexto da realidade, principalmente quando não há evidências entre o fenômeno e a situação.
A análise intensiva consiste na busca da maior quantidade possível de informações sobre o objeto de estudo. É uma das vantagens deste método, porque proporciona um aprofundamento da pesquisa, uma vez que os recursos estão concentrados no caso visado, isentando-o de comparações com outros casos.
Design de Pesquisa
No método de estudo de caso não há uma ordem rigorosa que deve ser obedecida no cumprimento das diversas etapas. Um passo posterior pode ser iniciado antes que a etapa anterior seja finalizada, e passos iniciais podem, algumas vezes, ser completados apenas depois que etapas finais já estejam em progresso. Esta flexibilidade dificulta a esquematização do design do estudo de caso, mas configura-se como um atributo importante e útil, na medida em que o pesquisador é forçado a lidar com fatos inesperados e a redirecionar a pesquisa de forma a abarcar as múltiplas inter-relações dos fenômenos específicos que observa (BECKER, 1999. p. 119). Sintetizando a aplicação deste método, há quatro etapas a serem desenvolvidas que serão descritas a seguir.
Preparação Teórico Metodológica
O estudo de caso requer a familiarização do pesquisador com o universo a ser investigado. O primeiro passo, então, consiste em uma revisão da literatura disponível, buscando o embasamento teórico e conhecimento do grupo pesquisado por meio de entrevistas e outros experimentos já concluídos. A análise deste material é imprescindível para que o pesquisador possa identificar e interpretar os fatos durante a observação e redirecionar, quando necessário, a pesquisa em curso.
Seleção do Caso
Neste momento, o pesquisador deverá levar em consideração as questões teóricas e práticas, procurando neutralizar ao máximo os fatores externos que possam interferir no processo a ser estudado. Sabino (apud GIL, 1991. p. 78-80) indica alguns critérios para seleção de casos: 1) casos típicos que, por informações prévias, possam ser consideradas o tipo ideal da categoria em estudo; 2) casos extremos que possam fornecer uma idéia dos limites dentro dos quais as variáveis podem oscilar; e 3) casos marginais que, por suas características atípicas ou anormais, indicariam as pautas dos casos normais e as prováveis
causas de desvio.
A seleção do grupo não é feita por qualquer método estatístico de amostragem. O contato é pessoal e visa identificar aqueles que poderiam contribuir com a pesquisa.
Coleta de Dados
A coleta de dados é a atividade central do estudo de caso. A técnica utilizada é determinada pela natureza do assunto estudado. Os pesquisadores, freqüentemente, utilizamse de uma grande variedade de fontes para levantar os dados, como a observação direta, entrevistas semi-estruturadas ou questionários, além de documentos disponíveis.
A observação direta consiste no engajamento do pesquisador participante em diversas atividades, dependendo do grau de participação desejado. De um extremo a outro, temos o observador que não participa de forma alguma, apenas observa sem ser notado, e o observador participante em caráter integral, que se envolve com o grupo estudado chegando muitas vezes a tomar parte no processo que observa.
O pesquisador pode entrevistar membros do grupo estudado, isoladamente ou em conjunto. No primeiro caso, o investigador examina as origens sociais e experiências anteriores de um participante, assim como suas opiniões particulares sobre assuntos em questão. Ao entrevistar o grupo ao mesmo tempo, o pesquisador pode identificar as relações entre os membros e os tipos de comunicação existentes. A comparação entre as duas dinâmicas pode oferecer informações valiosas sobre as normas do grupo. Pode-se também aplicar questionários.
Além da observação direta e das entrevistas, o investigador pode recorrer à coleta de documentos gerados pela comunidade ou organização em estudo, o que pode se revelar de grande utilidade. Tais documentos deverão ser analisados tendo em vista o contexto em que foram produzidos.
Análise de Dados
A análise de dados é realizada durante toda a pesquisa. Novos dados são constantemente analisados e resultados de análises prévias direcionam a investigação futura. O processo de análise de dados consiste, basicamente, de três fases: 1) a escolha do problema; 2) a sistematização dos dados pelo método “quase-estatístico”; e 3) a construção de modelos.
Na primeira fase do processo de análise de dados, o investigador identifica o problema que parece ser de maior importância. A seleção dos problemas, hipóteses e conceitos é orientada por descobertas concretas e tentativas do investigador de identificar possíveis implicações teóricas. Este processo revela os aspectos relevantes do fenômeno estudado.
Tendo decidido quais os aspectos devem ser estudados na situação em questão, qual aparato teórico a ser utilizado, o pesquisador deverá tratar os seus dados de forma a torná-los compatíveis com a análise estatística. A seleção de eventos individuais a serem observados compreende um método especial de amostragem que difere daqueles usados em estudos experimentais, ao qual chamamos de “quase estatística” (BECKER, 1999. p. 125). A menos que os dados tenham sido coletados sistematicamente para uma análise estatística, o pesquisador terá apenas números que resultam da amostragem e enumeração imprecisas contidas em seus dados que, no entanto, são suficientemente adequados para os pontos que se deseja demonstrar. A “quase estatística” permite ao pesquisador abandonar ou eleger hipóteses de acordo com a frequência, variação e relevância dos dados coletados. Uma das maiores falhas apresentadas em estudos de caso observacional é a incapacidade de deixar explícita a base “quase estatística” de suas conclusões.
Em função das fases anteriores da análise de dados, o pesquisador colecionará vários modelos limitados de parte do grupo estudado. A fase final do processo consiste no aprimoramento desses modelos e na sua integração em um único modelo que fornecerá respostas para as questões teóricas do estudo e demonstrará a contribuição de cada parte da estrutura analisada para a explicação do fenômeno em questão.
Limitações do Estudo de Caso como Método de Pesquisa
Como foi observado anteriormente, o objetivo do estudo de caso é chegar a uma compreensão total do fenômeno estudado e desenvolver um enunciado teórico geral sobre as regularidades deste fenômeno. Esta meta dá origem a dois problemas que requerem atenção especial (FIDEL, 1992. p. 39). Por um lado, a generalização a partir de poucos casos não é confiável, pois não se pode determinar quais regularidades são gerais e quais são únicas. Por outro lado, enunciados gerais sobre regularidades podem ser muito genéricos para explicar um caso específico. O estudo de caso é apropriado para detalhamento, exemplificação, questionamento da abrangência de um conceito, mas não é adequado, por si só, para gerar uma nova teoria social. O método de comparação controlada ajuda o investigador a evitar estes problemas.
A solução é partir do particular para o geral, comparando, primeiramente, um caso com outro similar, então com outro e com outro um pouco diferente. Generalizações potenciais descobertas no primeiro caso podem ser testadas novamente em outros casos. As generalizações que sobreviverem a estes testes não serão apontadas como universalmente válidas, mas válidas apenas para casos similares àqueles estudados. Gradualmente, caminhase para estabelecer generalizações cada vez mais abrangentes a partir de grupos de casos mais heterogêneos, embora o escopo da generalização prévia possa também ser limitado neste processo. Este é o método comparativo, que é sempre usado em estudos de caso visando produzir ou aplicar generalizações. A comparação não é adiada até que o estudo de caso individual seja finalizado, ao contrário, ocorre continuamente durante o estudo e configura parte essencial dele (DIESING citado por FIDEL, 1992. p. 39).
Como qualquer outro método de pesquisa o estudo de caso precisa estabelecer sua credibilidade científica. Dois critérios são considerados importantes para a avaliação da qualidade dos resultados de pesquisa: confiabilidade e validade.
A confiabilidade refere-se ao grau de reprodução de um mesmo resultado a partir da aplicação repetida do mesmo instrumento de pesquisa, sob as mesmas condições, dadas como constantes. Os estudos de caso não podem reclamar confiabilidade no sentido comumente aceito, pois não há como reproduzir um fenômeno, sob condições constantes, de forma que o observador registre as mesmas informações (o fenômeno não será mais o mesmo, nem o observador). Mesmo os eventos que podem ser observados novamente não possuirão as mesmas características outra vez. De fato, no método de estudo de caso são precisamente as diferentes formas que um fenômeno ocorre que tornam-se usualmente relevantes para o propósito da observação. Entretanto, duas das maiores vantagens deste método não são compatíveis com a noção comum de confiabilidade. São elas: 1) o valor particular do estudo observacional, quando o observador percebe o que outros tinham ignorado; e 2) as relações pessoais entre o investigador e as pessoas estudadas que fornecem dados essenciais para o entendimento do processo.
A validade refere-se ao grau no qual o pesquisador tem investigado o que ele se propôs a investigar. A validade é uma questão preocupante na medida em que o método de estudo de caso baseia-se em entendimentos subjetivos. O observador pode ser levado a “ver” apenas fatos que estão de acordo com suas hipóteses implícitas ou explícitas. Este tipo de viés ocorre de várias maneiras. O investigador que interage com aqueles a quem estuda em bases de longo prazo acaba por firmar laços de amizade, lealdade e obrigação, e deixar que sua visão dos fatos seja desfocada por tais sentimentos.
O investigador pode instituir controle para teste, se um tema ou interpretação é válido. Muitos métodos de validação são sugeridos pela literatura. Um desses métodos compensa o viés de uma interpretação requerendo que cada interpretação seja baseada em vários tipos de evidências. As interpretações são conferidas e validadas por comparações de diferentes tipos de evidências. Outra maneira de se evitar o viés é a elaboração de um relato completo de todos os fatos ocorridos, identificando-se todas as variedades de eventos por meio de mecanismos de amostragem primitiva, e formulando o que Becker chama de “hipóteses tentativas” (BECKER, 1999. p. 121) no decorrer do trabalho de campo, buscando
propositadamente casos negativos.
Roese (1999) aponta para alguns riscos que o pesquisador corre quando não possui domínio sobre a aplicação do método. Muitos trabalhos apresentam uma riqueza de dados em contraposição a uma análise de dados pobre. Isto ocorre pela negligência em relação à fase de preparação teórico-metodológica que precede a coleta de dados. O pesquisador não procede à análise de dados paralelamente à coleta.
Algumas vezes o estudo de caso é utilizado como forma de legitimação de uma teoria concebida a priori. A pesquisa é direcionada para a adequação da realidade à teoria e não em função de “[…] um aprendizado que a pesquisa e a reflexão metodológica propiciam” (ROESE, 1999. p. 196).
O método de estudo de caso encontra-se na área da pesquisa empírica não empirista,
próximo às “tentações” das soluções imediatistas e do senso comum. Aliada a esta
característica, soma-se difícil identificação das fronteiras entre explicação e descrição. Tudo
isso implica na produção de estudos de caso descritivos, resultado de uma opção teórica
empirista ou de dificuldades na fase de preparação teórico-metodológica.
Utilização do Método de Estudo de Caso na Ciência da Informação – 2007-2011
Neste artigo, foi feito um levantamento entre as revistas dedicadas à publicação de artigos científicos na área de Ciência da Informação. Utilizamos como critério de seleção as revistas que constam no portal da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) e sua disponibilidade online para consulta. A data-limite escolhida para observar o uso do estudo de caso pelos pesquisadores da Ciência da Informação em periódicos brasileiros foi do ano de 2007 a 2011.
Seguindo tais critérios, encontraram-se 13 revistas: Biblionline (UFPB); Ciência da Informação (IBICT); DataGramaZero; Encontros Bibli (UFSCar); Informação e Sociedade: Estudos (UFPB); Informação & Informação (UEL); Liinc em Revista (IBICT); Perspectivas em Ciência da Informação (UFMG); Ponto de Acesso (UFBA); Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação (UNICAMP); Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação – RICI (UnB); Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação (IBICT); e Transinformação (PUC Campinas). Todas foram consideradas nesta análise.
Quanto à seleção dos artigos, foram excluídas da pesquisa as recensões, artigos de revisão de literatura, resumos de monografias, dissertações e teses, expedientes, relatos de experiência. Assim, foram selecionadas somente os artigos relacionados à divulgação das pesquisas em Ciência da Informação. Em cada um desses artigos, foram realizadas uma busca pelo termo “estudo de caso” e selecionamos, para esta análise, aqueles que demonstravam utilizar tal metodologia. No entanto, mesmo dentro desta amostra, alguns artigos foram descartados, pois foi observado que embora a metodologia fosse citada, o artigo não a utilizava de fato.
Análises quantitativas do uso da metodologia de Estudo de Casos em Revistas de Ciência da Informação
Nas 13 revistas analisadas neste estudo, encontramos 1402 artigos, dos quais 118 utilizaram a metodologia de estudo de caso – conforme mostra o gráfico abaixo –, o que representa uma proporção de 8,4% do total.
Gráfico 1
Fonte: Os autores
Pudemos observar, ainda, que a utilização desta metodologia sofreu um declínio contínuo ao longo dos anos: em 2007, foi aplicada em 31 artigos, enquanto que, em 2011, esteve presente em apenas 13.
Gráfico 2
Fonte: Os autores
A queda não se deu apenas em termos absolutos, mas também na proporção de artigos com estudo de caso em relação ao número total de artigos. Em 2007, a quantidade de artigos com estudos de caso nas revistas estudadas representava 13,4% do total de artigos publicados nas referidas revistas. Já em 2011, essa proporção caiu para 4,5% do total.
Gráfico 3
Fonte: Os autores
Dentre as 13 revistas consideradas em nosso corpus, a que mais publicou artigos com estudos de caso foi Perspectivas em Ciência da Informação (com 25 artigos), seguida de perto por Ciência da Informação (com 21). Tendências da Pesquisa em Ciência da Informação não publicou nenhum artigo utilizando estudos de caso. Por outro lado, no que diz respeito à proporção de artigos com estudo de caso em relação ao total de artigos, foi em Ciência da Informação onde encontramos um destaque maior dado aos estudos de caso, conforme mostram os gráficos a seguir.
Gráfico 4
Fonte: Os autores
Gráfico 5
Fonte: Os autores
Buscou-se identificar também em que proporção os artigos analisados empregavam abordagens qualitativas e/ou quantitativas. Observamos que estudos com abordagem unicamente qualitativa são maioria, seguidos por aqueles que conjugam as duas abordagens, conforme podemos observar na imagem que se segue.
Gráfico 6
Fonte: Os autores
Por fim, procuramos apontar em quais subáreas das Ciências da Informação os estudos de caso são abordados com mais frequência. Como referência, consideramos as linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – PPGCI – do Instituto Brasileiro de Informação em Ciências da Informação (IBICT/UFRJ). Observamos que a subárea “Informação e gestão, monitoramento tecnológico, gestão estratégica da informação e do conhecimento nas organizações e nas políticas públicas” foi a que mais abordou estudos de caso, sendo foco de 27% dos artigos analisados. Em seguida, situou-se a subárea de “Processos de busca, acesso, recuperação e uso da informação”, na qual 22% dos artigos com estudos de caso se enquadraram, seguida por “Condicionantes socioculturais e tecnológicos dos usos e da competência em informação” (13% dos artigos).
Gráfico 7
Fonte: Os autores
O Estudo de Casos na pesquisa de Ciência da Informação
Para exemplificar como os pesquisadores de Ciência da Informação empregaram a metodologia do estudo de caso, selecionamos cinco artigos publicados no período nos periódicos analisados.
O primeiro artigo “A metodologia do marco lógico e a gestão da informação: um estudo de caso para Tunas-PR”, publicado em 2009 pela revista Transinformação, é de autoria de Edmeire Cristina Pereira, Ronald Jesus da Conceição, Blas Enrique Caballero Nunez. A pesquisa aplica o estudo de caso de forma explanatória, com uma abordagem qualitativa, com o objetivo explicar o efeito da gestão da informação na elaboração de políticas públicas, de programas e projetos em desenvolvimento sustentável através da Metodologia do Marco Lógico (MML), no município de Tunas, PR. (PEREIRA; CONCEIÇÃO; CABALLERO
NUNEZ, 2009).
O segundo artigo selecionado, de autoria de Valmira Perucchi e Beatriz Alves de Sousa, “Competência Informacional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB: um estudo do projeto pedagógico”, foi publicado pela revista Informação & Informação em 2011. O artigo apresenta resultados de pesquisa no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). O objetivo da pesquisa é analisar o projeto pedagógico do IFPB em busca de propostas voltadas para o desenvolvimento de competência informacional em seus estudantes. Trata-se de um estudo descritivo e
exploratório com abordagem qualitativa, realizado por meio de uma análise documental do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) do IFPB. O trabalho foi dividido em três etapas: 1) revisão bibliográfica, abordando os conceitos e práticas de Competência em Informação e Processos de Aprendizagem; 2) análise documental do Projeto Pedagógico Institucional, constante do Plano de Desenvolvimento Institucional do IFPB, identificando as competências destacadas no projeto, consideradas importantes para a formação profissional dos alunos. A partir deste construto, foram elencadas as competências e habilidades voltadas para o desenvolvimento da Competência Informacional; e 3) análise das habilidades e competências a partir do escopo teórico levantado na primeira etapa do estudo. Os resultados apontam para a ausência de propostas voltadas para a competência informacional concernente à inclusão digital, à educação continuada e ao desenvolvimento do espírito investigativo no estudante
(PERUCCHI; SOUSA, 2011).
O terceiro artigo analisado, “Pedagogia de projetos na biblioteca escolar: proposta de um modelo para o processo da pesquisa escolar” foi publicado em 2008 pela revista Perspectivas em Ciência da Informação, em 2008. De autoria de Cesar Augusto Castro e Maria Conceição Pereira de Sousa, trata da importância do ensino- aprendizagem através do processo de pesquisa, enfocando a biblioteca escolar como estimuladora da prática da pesquisa escolar, a partir da Pedagogia de Projetos. O objetivo da pesquisa é analisar como alunos e professores interagem com a biblioteca de uma escola em São Luiz- MA. A metodologia utilizada foi o estudo de caso, utilizando como técnica de coleta de dados entrevistas e aplicação de questionários em uma escola de São Luís no Maranhão. Foram aplicados 87 questionários com alunos do 9º ano (8º série), com 16 perguntas de múltipla escolha organizadas em três momentos: iniciação, desenvolvimento e finalização. E 9 questionários com 4 perguntas para os professores com questões abertas e fechadas, além de entrevista com o bibliotecário chefe. Como resultado, os autores propõem um modelo para o processo de pesquisa, através do uso de projetos, a ser aplicado no âmbito da biblioteca escolar, promovendo a eficácia da construção, concretização e internalização da pesquisa.
(CASTRO; SOUSA, 2008)
O quarto artigo, “Mediação tecnológica da informação no parlamento: estudo de uma assembleia legislativa no contexto brasileiro”, de autoria de Vagner Dalbosco e Angel Freddy Godoy Viera, foi publicado em 2011, pela revista Informação & Sociedade: Estudos. Este artigo sintetiza os resultados da pesquisa que analisou o fluxo de informação no ambiente interno de uma Assembleia Legislativa no contexto brasileiro, com foco no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para a mediação informacional. Foi realizado um estudo quantitativo e qualitativo, com a aplicação de questionário a 154 funcionários e de entrevista semiestruturada aos diretores/coordenadores dos setores que têm responsabilidade sobre a gestão do fluxo informacional na instituição. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com o emprego da técnica de pesquisa documental e do levantamento de dados junto à amostra, composta pelas áreas que atuam diretamente na gestão do fluxo informacional da instituição. Foi constatado que a atuação demasiadamente isolada dos setores no que se refere à gestão da informação resulta na fragmentação das informações e em dificuldades quanto ao seu acesso e uso por parte do usuário. Quanto aos recursos tecnológicos, em sua maioria eles não consideram as necessidades dos diferentes públicos internos e não estão disponíveis para o acesso integrado pelo conjunto da instituição. Como consequência, há uma recorrência significativa dos usuários a recursos informais, fontes e canais humanos e impressos, o que dificulta a posterior recuperação da informação e
seu uso estratégico. Conclui-se que a Assembleia Legislativa em questão carece de uma política de gestão integrada e planejada da informação, voltada a promover a mediação tecnológica da informação inerente aos parlamentos eletrônicos. (DALBOSCO; VIEIRA, 2011)
O último artigo analisado, de autoria de Maria Nélida González de Gómez e Rejane Machado, “A ciência invisível: o papel dos relatórios e as questões de acesso à informação científica”, foi publicado pela revista DataGramaZero, em 2007. O propósito da pesquisa foi demonstrar a importância da representação e recuperação de relatórios científicos produzidos pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), por meio do controle documentário, enfatizando a importância de delinear orientações metodológicas para representação e recuperação dos relatórios de pesquisa. A primeira etapa foi de pesquisa bibliográfica, com o objetivo de definir os conceitos base, como por exemplo “comunicação em ciência”, “base de dados”, “relatório científico”, “publicações”, entre outros. A seguir, foram utilizadas três estratégias de pesquisa: 1) reconstrução do ciclo de geração e uso dos relatórios no ICICT, através de entrevistas e consultas documentárias; 2) a analise estrutural do relatório como parte da literatura científica; 3) o levantamento de Bases de dados de Relatórios técnicos e científicos e a realização de buscas simuladas. (GONZÁLEZ DE GOMEZ; MACHADO, 2007)
Percebemos em todos os artigos selecionados as características da metodologia, principalmente as várias técnicas auxiliares de pesquisa, como revisão bibliográfica, análise documental, entrevistas e questionários, sendo que uma das pesquisas utiliza-se da amostragem (DALBOSCO; VIEIRA, 2011). Verificamos que o estudo de caso se presta a abordagens qualitativas e quantitativas e em todos os casos os autores buscaram construir um “modelo”, tentando entender o fenômeno estudado.
Considerações Finais
O estudo de caso é um método rico por propiciar a utilização de técnicas tanto qualitativas quanto quantitativas. No entanto, depende da capacidade de percepção, pelo pesquisador, de seu objeto de estudo como algo dinâmico. Depende, também, da percepção da possibilidade de seus vieses poderem influenciar na condução, desenvolvimento e conclusão de sua pesquisa, já que existem mecanismos de controle destes.
Uma flexibilidade é exigida do pesquisador no sentido de redirecionar a condução de sua pesquisa à medida que a análise dos dados aponta para fenômenos não previstos que se mostram relevantes para o estudo.
O estudo de caso se constitui numa possibilidade para pesquisas nas quais o pesquisador dispõe de um tempo limitado por questões burocráticas, como no caso de um mestrado. É um método que possibilita a especificação delimitada do objeto de pesquisa, de forma que o pesquisador seja capaz de se aprofundar e agir sobre uma realidade dada.
Consideramos, portanto, que a utilização efetiva do método de estudo de caso depende muito mais da conduta do pesquisador do que do objeto de estudo em si ou das técnicas utilizadas.
Durante a realização do levantamento nos periódicos para identificação do uso do método estudo de caso nos artigos da área de Ciência da Informação, constatou-se que há uma falta de compreensão sobre este método. Em algumas pesquisas, os autores destacam em seus artigos que utilizaram o método mas não demonstraram isso no desenvolvimento de seus trabalhos. O que pode ser compreendido como falta e entendimento sobre o estudo de caso.
Além disso, torna-se necessário destacar a dificuldade na realização de pesquisas nos campos indexadores das revistas. Buscou-se pelo termo “estudo de caso” nas barras de pesquisa e os resultados foram insatisfatórios, pois nem todos os artigos foram recuperados, deste modo os artigos tiveram que ser analisados um a um no período compreendido.
Outro aspecto a ser observado é que o estudo de caso pode ser útil ao campo da Ciência da Informação. Se analisarmos os fenômenos socias complexos e contemporâneos abordados pela Ciência da Informação, o estudo de caso poderá trazer estratégias para compreender esses fenômenos e ajudar a ampliar a pesquisa na Ciência da Informação praticada e teorizada no Brasil.
Coautores:
Aline Vieira do Nascimento
Mestre em Ciência da Informação pelo convênio UFRJ – IBICT
E-mail: vieiraaline@yahoo.com.br
Emilia Barroso Cruz
Doutora em Ciência da Informação pelo convênio UFRJ – IBICT
E-mail: ebarroso.cruz@gmail.com
Letícia Labati Terra
Doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
E-mail: letlabati@gmail.com
Marina Ramalho e Silva
Doutora em Bioquímica pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
E-mail: marina.ramalho@gmail.com
Referências
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