INTRODUÇÃO
Este artigo é parte de uma pesquisa monográfica apresentada como trabalho de conclusão de curso de graduação em Arquivologia da UNIRIO em 2006 e foi desenvolvida na busca de conhecer melhor algumas questões relativas à produção, edição e tradução de livros sobre a Arquivística no Brasil. Considerou-se como marco inicial a primeira tradução para o Português do livro “Handleing voot het ordenen en beschreijven van archieven”, realizada pelo Arquivo Nacional, em 1960. Este livro ficou conhecido em nosso país como “Manual de arranjo e descrição de arquivos” ou simplesmente “Manual dos Holandeses”.
O tema da pesquisa surgiu a partir da identificação de certo consenso entre autores brasileiros que afirmam ser escassa a literatura arquivística nacional. Entre outros, podemos citar Jardim (1995, p. 49): “A escassa literatura arquivística nacional (…)”; e, Bellotto (2004, p. 14): “(…) é escassa a literatura nacional sobre arranjo e descrição (…)”.
Partindo dessas referências, o objetivo da pesquisa foi levantar dados sobre a produção, tradução e edição de livros na área, identificar como isto se deu e o que foi editado ao longo de 46 anos. A compreensão dessa circunstância e a posse de dados minimamente confiáveis sobre o assunto podem ser entendidos como elementos capazes de contribuir para a construção do conhecimento científico da Arquivística no país. Buscou-se também verificar, entre as obras encontradas, quais poderiam ser classificadas como manuais e não-manuais.
O levantamento quantitativo foi realizado em quatro bibliotecas públicas na cidade do Rio de Janeiro – Biblioteca do Arquivo Nacional, Biblioteca do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Biblioteca da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil – e na Internet, considerando apenas os livros publicados no Brasil entre os anos de 1960 e 2006. Qualitativamente, a classificação dos livros como manuais e não-manuais baseou-se nos respectivos títulos e conteúdos. Optou-se, neste artigo, por apresentar os detalhes metodológicos utilizados na pesquisa imediatamente antes de apresentar os resultados obtidos, com o objetivo de facilitar a leitura e a compreensão do trabalho.
A DIVULGAÇÃO E COMUNICAÇÃO CIENTÍFICAS
Nas circunstâncias desta pesquisa, a relação entre a produção da pesquisa científica e a sua comunicação torna-se incontornável. Em comunicação apresentada no XVI Encontro de Informação em Ciências da Comunicação (ENDOCOM) Karina Galdino aponta que existem meios pelos quais a produção científica se dá, como: “(…) as leituras específicas, da obtenção de dados empíricos e do relato dos resultados, que obedece a regras estabelecidas e controladas, possibilitando que outros pesquisadores possam compreender e reproduzir os resultados obtidos”. No entanto, Castro apud Jardim (1999, p. 99) alerta que “Produzir pesquisa é uma coisa, publicar é outra. Não obstante, qual o significado de uma atividade científica que mais adiante não é escrita e comunicada?”.
A divulgação científica, ou “popularização da ciência”, é um termo utilizado para caracterizar atividades que buscam fazer uma difusão do conhecimento para públicos não especializados. Segundo Loureiro (2003, p. 91):
“(…) a divulgação científica constitui-se no emprego de técnicas de recodificação de linguagem da informação científica e tecnológica objetivando atingir o público em geral e utilizando diferentes meios de
comunicação de massa”. Gonzalez apud Loureiro (2003, p. 91) concebe a divulgação científica como a “(…) comunicação entre ciência e sociedade”.
Bueno apud Loureiro (2003, p. 91) considera como instrumentos da divulgação científica:
“(…) os jornais e revistas, mas também os livros didáticos, as aulas de ciência do 2º grau, os cursos de extensão para não especialistas, as estórias em quadrinhos, os suplementos infantis, muitos dos folhetos utilizados na prática de extensão rural ou em campanhas de educação voltadas, por exemplo, para as áreas de higiene e saúde, os fascículos produzidos por grandes editoras, documentários, programas especiais de rádio e televisão etc”.
Para Albagli (1996, p. 397) “O papel da divulgação científica vem evoluindo ao longo do tempo, acompanhando o próprio desenvolvimento da ciência e tecnologia. Pode estar orientada para diferentes objetivos, tais como: educacionais, cívicos e mobilizações populares”.
Nota-se a relevância da divulgação científica no que diz respeito ao status de conhecimento que uma comunidade formada por cidadãos comuns pode atingir através dessa possível recodificação da linguagem científica. Além disso, esse conhecimento exerce o poder de inserir a população em assuntos pouco difundidos através de diferentes canais de comunicação como o rádio, a televisão, os folhetos explicativos, os jornais, as revistas especializadas.
Por sua vez, Oliveira (2005, p. 34) observa que a “A comunicação científica é um processo inerente ao fazer científico, e sua relevância sempre foi reconhecida pelos cientistas que, ao longo dos tempos, instituíram diferentes canais de intercâmbio”.
De fato, a comunicação científica é importante indicador do estágio de desenvolvimento de uma área do conhecimento, pois possibilita, entre outros aspectos, a verificação e análise da comunidade científica na qual foi realizada. “O processo da atividade científica é dependente de uma comunicação eficaz”, como disseram Mendes e Marziale. Entre os produtos e recursos da comunicação científica o livro tem papel de destaque.
O LIVRO
Em 30 de outubro de 2003 foi sancionada no Brasil a Lei 10.753 conhecida como a “Lei do Livro”. Em seu artigo 1º, no parágrafo II o livro é expresso como:
“O meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida” (BRASIL, Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, grifos nossos).
Em seu 2º artigo, a Lei 10.753 define livro da seguinte forma: “Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e cabamento”.
É importante observar a presença na definição do Art. 1º que há uma relação direta do livro com a cultura e com o conhecimento científico, quando, inclusive, frisa o caráter de transmissor do conhecimento, ou seja, o livro é um instrumento de intelectualidade e através dele é possível obter esse conhecimento e igualmente possibilitar aperfeiçoamento individual e social. Diante disto, é importante salientar o que disse Chartier et al. (1995, p. 106): “O livro é símbolo de todos os poderes”.
O Novo Dicionário Aurélio (Ed. Eletrônica, 2004) define “livro” da seguinte forma:
- Reunião de folhas ou cadernos, cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida.
- Obra literária, científica ou artística que compõe, em regra, um volume.
- Seção do texto de uma obra, contida num tomo, e que pode estar dividida em partes.
- Documento. Publicação não-periódica impressa com, no mínimo, 49 páginas, excluídas as capas.
Por sua vez, a UNESCO , define livro assim:
“Publicação impressa não-periódica com até 49 páginas excluindo as capas, publicado no país e disponível ao público.” (Tradução nossa)
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define livro como:
“Publicação não periódica que contém acima de 49 páginas, excluídas as capas, e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro (ISBN)”.
Assim, a identificação do que seja um livro (em que se baseou esta pesquisa) envolve, a partir dos conceitos utilizados, características como o número de páginas, o conteúdo, o formato, e a publicação não-periódica.
Em relação à classificação dos livros em manuais e não-manuais observamos que o termo manual vem do grego manuale e, segundo a edição eletrônica do Dicionário Aurélio (2004), manual é: “Livro que traz noções essenciais sobre uma matéria”. Já o Dicionário de Sinônimos e Antônimos Houaiss por seu turno, define manual como: Compêndio: compilação, epítome, guia, tratado”.
A definição utilizada atualmente pela enciclopédia livre Wikipédia é a seguinte: “Manual é um livro ou um folheto que ensina a operar um equipamento, um objeto, um software ou uma ferramenta”. Usamos a expressão “define atualmente” porque os textos contidos nessa enciclopédia virtual podem ser acrescentados pelos seus usuários mediante aprovação de uma nova conceituação em sua base de dados desde que não desvirtue o conceito que está exposto. Portanto, não será um sobressalto se acessarmos a Wikipédia novamente e a definição de manual ter sido acrescentada ou diminuída.
O “Manual do Aluno” do curso de Administração da Faculdade Pe. João Bagozzi, localizada no Estado do Paraná, define manual da seguinte forma (2004, p. 3):
Um manual pretende ser um guia, um roteiro para orientar procedimentos, atitudes, comportamentos, enfim, diante de situações preestabelecidas. Além disso, um manual pretende servir como forma de orientação no momento de esclarecer aquelas dúvidas que são mais freqüentes e comuns no dia-a-dia das pessoas e Instituições.
E completa (2004, p. 3):
“Por ser algo que representa a ‘vida orgânica’ de uma instituição, um manual é algo passível de mudanças que visam refletir aprimoramentos, melhorias, atualizações ou quaisquer modificações que representem evolução. (…) O aprimoramento de um manual decorre das transformações que são inerentes aos grupamentos sociais”.
Malheiro da Silva e outros, em seu livro “Arquivística – teoria e prática de uma ciência da informação”,consideram os manuais de Arquivologia como: “meros compêndios de um saber cristalizado”. (2002, p. 18).
É importante constatar que apesar de algumas publicações de Arquivologia terem recebido em seus títulos a expressão “manual”, não foi encontrada a definição dessa expressão nos três dicionários brasileiros de terminologia arquivística consultados:
- Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, publicado pelo CENADEM em 1990;
- Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, publicado pela AAB-SP em 1996;
- Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, publicado pelo Arquivo Nacional em 2005.
Além disso, foi pesquisada na web através do sistema de busca do Google em diversos sites a definição do termo “manual”. Foram lançadas as seguintes frases para essa pesquisa: O que é um manual? / O que são manuais? / Definição de manual / A importância dos manuais / Manual. O que foi possível perceber é são raras as definições para “manual” e que não há um consenso do que vem a ser um manual.
A expressão foi também pesquisada junto à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) por mensagem eletrônica e contatos telefônicos com as filiais do Rio de Janeiro e São Paulo, que informou não existir entre suas normas a definição de manual. Dessa forma, entendemos que os manuais – de acordo com as definições encontradas – possuem as características como:
- Noções básicas acerca de uma disciplina ou arte;
- Pode ser usado como um guia para procedimentos estabelecidos
previamente.
Isto posto, é necessário salientar que os referenciais adotados para classificar as obras referidas neste trabalho como manuais ou não-manuais são de responsabilidade do autor deste artigo e poderão, portanto, ser questionados, dependendo de outras leituras ou
abordagens diferentes. A própria concepção que a área tem do que seja um Manual de Arquivologia poderá vir a ser objeto de uma outra pesquisa. No caso específico, entende-se que os critérios ora adotados atendem aos objetivos traçados nesta pesquisa.
Confira a lista completa de livros e publicações referidas neste artigo no link abaixo:
A PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA NA ARQUIVÍSTICA BRASILEIRA
Fontes:
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. BELLOTTO, Heloísa Liberalli (coord.). Dicionário de Terminologia Arquivística. 1ª edição. São Paulo: AAB-SP, 1996. 142 p.
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. 2ª edição. Brasília: EdUnB, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3ª edição. Curitiba: Positivo, 2004.
FONSECA, Maria Odila. Arquivologia e ciência da informação. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
O ensino da arquivologia e a literatura arquivística. In: JARDIM, José Maria; FONSECA, Maria Odila (Orgs.). A formação do arquivista no Brasil. Niterói: Eduff, 199